Uma grande aventura jornalística
devotada à valorização da Fotografia em Portugal

por
Pedro Foyos- Jornalista e escritor.
Dec 2018
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Número inaugural em 1978. Apesar de impressa em papel de jornal, a nova
publicação exibia um grafismo e uma profusão cromática invulgares na época.
Os títulos principais reportavam os protestos dos fotógrafos portugueses em relação ao
agravamento incessante dos preços de material fotográfico

Constituiu há exatamente 40 anos um empreendimento cultural singularíssimo, porventura inédito no mundo. Quatro jornalistas profissionais da Imprensa diária, amantes da Fotografia, uniram-se para fundar um jornal com expansão nacional, dirigido aos fotógrafos do País, fossem amadores ou profissionais e abrangendo todas as expressões e áreas de atividade, da arte ao fotojornalismo. Com periodicidade mensal e 32 páginas, muitas das quais a cores, o jornal tinha uma distribuição similar à dos semanários e mensários de informação geral, acrescendo os estabelecimentos do comércio fotográfico nas principais cidades. O êxito foi retumbante. A tiragem inicial de três mil exemplares era aumentada quase mês a mês até estabilizar no início de 1979 nos sete mil (dez mil em duas edições especiais). Também o preço de venda aumentou, de 25 escudos para 40, porquanto se abandonara entretanto o papel de jornal para um outro de elevada qualidade.
O núcleo fundador de jornalistas (Pedro Foyos, Maria Augusta Silva, João Aguiar e Victor Dimas) acolheu logo de início dois grandes fotógrafos e colaboradores primordiais do empreendimento: Armando Cardoso e Fernanda Cardoso.
Fernanda, João e Victor partiram muito cedo para estrelas longínquas. Dos sobrevivos, apenas o Armando e eu próprio mantemos o possível dinamismo criativo no plano da fotografia de arte, com extensão não menos magnificente, no que respeita ao Armando, à área do web design.
O êxito de Foto-Jornal incentivou a equipa a convertê-lo numa revista — Nova Imagem — também mensal, cuja excelência gráfica e vigor jornalístico ampliou o número de leitores, suplantando o público restrito à área fotográfica. A revista ombreava com as melhores do género a nível mundial, tendo sido premiada duas vezes pela Federação Internacional de Arte Fotográfica, também pela Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas.
Empresa editorial de sucesso, o apogeu verificou-se nos anos de 1981 e 1982 com novos lançamentos: um Anuário Português de Fotografia e uma segunda revista — a Foto-Profissional. Entretanto, mercê de acordos com grandes editoras estrangeiras, começaram a ser distribuídas em Portugal algumas obras de referência, em língua francesa e inglesa. E é inaugurada numa artéria nobre de Lisboa, em cooperação com a empresa Fotocolor, uma Fotolivraria, novo cometimento nunca visto no País.
Todavia, no final de 1983, a pátria começa a ser varrida por ventos uivantes que ameaçam não deixar pedra sobre pedra. Portugal recorre pela segunda vez ao FMI. Abatem-se sobre os cidadãos cruentos pesadelos financeiros. Agravam-se dramaticamente, a partir de 1984, as condições de vida dos portugueses. O último subsídio de Natal já sofrera um corte substancial. Multiplicam-se as falências, o desemprego dispara, torna-se drástico o aumento dos preços de bens essenciais.
À Redação da revista Nova Imagem chegam angustiosos portefólios de jovens fotógrafos em que o tema dominante são manifestações com bandeiras negras. Esse foi o tempo das bandeiras negras içadas por todo o País.
Também as publicações fotográficas sofrem num grau extremo a retração publicitária. Na transição de 1983 para 84 as receitas consignam uma redução de 80 por cento. A primeira a soçobrar é a Foto-Profissional. António Coimbra, administrador da Kodak Portuguesa, tem o gesto cortês de me comunicar pessoalmente a impossibilidade de aquela multinacional continuar presente na contracapa. Também Orlando Rego, um bom amigo, gerente da firma Profoto, então um dos baluartes do comércio fotográfico, vê-se obrigado a cancelar o plano anual de exclusividade do espaço do verso da capa. Os produtos fotocine são considerados sumptuários, o agravamento dos preços deixa desertas as lojas do ramo.
A mesma retração publicitária ocorre logo depois com a revista Nova Imagem. A alternativa de duplicar o preço de venda afigura-se impraticável. A publicação resiste aflitivamente, e em derradeiro salvatério vai desfigurando-se diminuindo a qualidade do papel e o número de páginas. Exangue, o fôlego esgota-se e eu lego aos leitores um extenso historial das vicissitudes. Escrevo, a terminar: «Tantas miragens frustrantes se nos têm deparado nos últimos tempos que hoje confiamos quase tão-só na dedicação dos leitores. Mas esse foi sempre, e continuará a sê-lo, o mais importante estímulo para o nosso trabalho. Um estímulo e uma inexorável razão de vida durante muitos anos; agora, uma razão para não morrer».
Inelutavelmente, morreu. Morreu velada por largas centenas de mensagens solidárias. No Porto correu uma circular na qual os assinantes se propunham duplicar ou mesmo triplicar o valor das assinaturas enquanto o «mau momento» não passasse.
Não era um «momento» e não passou. A "crise" viera para se demorar. Todos os dias e por todo o lado a morte se passeava vestida da mesma cor das bandeiras revoltosas.
Apenas o Anuário Português de Fotografia perdurou até 1988, num trabalho solitário do seu diretor. A dificílima situação financeira impusera a dispensa da totalidade dos colaboradores. Por fim, regressei à Redação do Diário de Notícias, de que me retirara para abraçar o empreendimento foto-editorial. Um tempo doloroso. Terrível.
Quando, no terço final da década, o País começa a reerguer-se, já não era possível recomeçar.
Não era possível construir o que quer que fosse sobre o mar de cinzas em que se convertera o sonho belo germinado dez anos antes.
Mas permanece a paixão pela Fotografia. Só morrerá comigo, no dia final. E daí… quem sabe?...

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O PRIMEIRO EDITORIAL (1978)

UM SONHO NA MOLA DE ROUPA


Com a humildade de quem reconhece não ter direito a pregão vivo na cidade, tão só a grampo ou mola de roupa à ponta do cabeçalho, enaipado com outros no quiosque, dizemos: aqui estamos. Estreantes no escaparate ou na banca de jornais à beira da circulação urbana, aqui estamos com a imodesta certeza de que nos pertence um espaço nesse mundo do papel impresso. Recém-chegados, de nós se esperará o rito habitual dos noviços, a apresentação — quem somos, o que queremos, para onde vamos.
Pois bem, comecemos. Somos um jornal de Fotografia, também de Cinema. Mas há lugar — perguntar-se-á — para um jornal com essa fisionomia, em Portugal? Já dissemos que sim e é nosso propósito muito firme prová-lo. Mais do que um prognóstico apaixonado, confrontamos resultados aferidos ao longo de um exaustivo trabalho de prospeção e consolidados numa força numérica. Conhecemos, de facto, a grandeza da parcela populacional que se dedica às atividades fotográficas, e nunca como hoje esses praticantes careceram tanto de apoio face ao áspero panorama dos custos dos materiais. Contra a situação de violência administrativa que se abateu sobre esse sector do comércio, cada vez mais asfixiado pela catadupa arrasadora de taxas e de impostos, lutará de imediato este novo jornal, com quanta força de voz puderem conter as suas páginas.
Um jornal de Fotografia e Cinema? Decerto: em nome da Cultura, preserve-se este país da condição tristíssima de ter sido, até agora (excetuando o período de edição simultânea de três malogradas experiências) o único da Europa a não possuir uma publicação periódica do género (para quem franzir o sobrolho, diremos que se edita, na Turquia, uma revista fotográfica com periodicidade mensal...).
Aqui estamos, com um nome: Foto-Jornal. Em Portugal. Apesar de tudo. A equipa que deu corpo a este projeto tem consciência das grandes limitações e adversidades que o mesmo encerra. Idealizamos e ambicionamos, naturalmente, ir mais além. Mas não nos tentaremos, como a rã da fábula, a imitar o boi. É essencial saber condicionar os sonhos a um sentido realista das possibilidades e não perder o caminho — o único, exato e viável — que é integralmente suscetível de ser percorrido com segurança. Por isso, apresenta-se esta publicação com um figurino bastante diferente daquele que caracterizou as tentativas editoriais anteriores, com as quais não tem, é oportuno sublinhar, qualquer ligação.
Prevenidos estamos de algumas miragens perigosas que aniquilaram belos sonhos embalados primorosamente em papel couché.
Foto-Jornal é, em rigor, isso mesmo, um jornal — mas tal circunstância, que tecnicamente pode sofrer a carência dos altos apuros qualitativos indispensáveis a uma revista moderna, será compensada, no maior grau possível, com uma atratividade gráfica inusual nos modelos congéneres que circulam entre nós. Esta premissa determinou a opção pelo sistema offset e a prática de reprodução de fotografias a cores.
O projeto de realização do Foto-Jornal integrou ainda um esquema redatorial inédito no âmbito da nossa Imprensa de especialidade. Com efeito, um núcleo extenso de especialistas, em diversos sectores chave, laborará com o apoio de uma equipa de jornalistas profissionais, cuja participação no processo de feitura do jornal proporcionará uma correta e atraente expressão informativa.
Por outro lado, Foto-Jornal propõe-se criar uma rede de correspondentes, que incluirá os principais centros mundiais fotográficos, estando previstos, igualmente, exclusivos de algumas das mais prestigiadas publicações estrangeiras.
Como é compreensível, o cenário nacional envolverá, dominantemente, o conteúdo destas páginas. Foto-Jornal nasce convicto de que lhe compete o desempenho de um papel importante na vitalização do panorama fotográfico português. Todavia, o empreendimento não deve confinar-se ao grupo redatorial que impulsiona esta publicação, por mais firme e fecundo que se mantenha o seu labor. Tem, antes, de ser fruto da ação empenhada do vasto sector populacional que exerce, quer a um nível amador quer profissional, a Fotografia e o Cinema, e que acredita na validade da existência de um órgão informativo difusor dessas atividades. Por tal razão, de todos esperamos uma crítica, um aceno de orientação, uma vontade determinada de valorizar e divulgar este jornal. Ele será tanto mais completo e atuante quanto for a expressão do interesse e participação dos seus leitores. É fácil, aliás, antever que assim irá suceder, a avaliar pelas numerosas provas de dedicação, esperança e incentivo recebidas nas últimas semanas, desde que começou a anunciar-se o próximo aparecimento do Foto-Jornal. Tudo faremos para ser dignos dessa confiança e não iludir nunca as esperanças que acompanham a nossa aparição.
Partimos na convicção de que este jornal irá possibilitar um efetivo alargamento dos conhecimentos de quantos se dedicam ao exercício da Fotografia e do Cinema, e que será um lugar vivo, um centro de convívio, um elemento de união entre os que nele procurem um apoio e um estímulo à criatividade.

Aqui estamos com um nome: Foto-Jornal. Começamos sem direito a pregão na cidade, é certo, mas que orgulho sentimos, amigos, em reencontrar, a partir de hoje, na abada de porta de uma tabacaria, com molas de roupa às orelhas, o nosso sonho realizado.

Pedro Foyos

 

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DEPOIMENTO DA JORNALISTA MARIA AUGUSTA SILVA

TUDO COMEÇOU DESTE JEITO...


O Pedro Foyos, para quem a Fotografia é, decidida e irremediavelmente, o seu primeiro e grande amor, resolveu, sem mais aquelas, ir buscar-me para jantarmos num sítio tranquilo e oferecendo, quanto possível, pratos vegetarianos. Escusado será dizer que, logo de entrada, e em lugar de um bom aperitivo, apanhei com uma dose de sabedoria sobre os movimentos culturais fotográficos. Era preciso aguçar o apetite... Depois, em vez de uma sopinha de legumes, quente e bem apurada, apareceu o senhor Nièpce, com Daguerre de intermeio — assim uma espécie de sanduíche bem aviada. E, enquanto as glândulas salivares trabalhavam em seco e os maxilares ganhavam ferrugem, o bom do Foyos, sempre inconformado com uns senhores que ainda teimam em fechar os olhos às realidades, sai-se com esta: Que tal a ideia de se tentar publicar um jornal especializado em Fotografia? Juro que não escancarei a boca até às orelhas. Fiquei serena e comecei, com gosto, e finalmente, a saborear o que entretanto chegara à mesa de mastigável a sério. O que poderia eu dizer? Antecipadamente sabia que não o demoveria. O Foyos limitar-se-ia, neste caso especial, a respeitar pura e simplesmente a minha opinião. Só que as opiniões eram, e quiçá desgraçadamente, convergentes. Estava decidido: sacrifícios sem conta. Muito trabalho. Contrariedades. Empenhamento. Uma luta dura e difícil. E ao meu cúmplice silêncio, o Foyos toca de responder apenas este mimo: Vai chamar-se Foto-Jornal. Tudo começou deste jeito. Quatro loucos da Fotografia (ele, a Fernanda e o Armando, por «Cardosos» mais conhecidos, e eu) vá de levar por diante o projeto, roendo as unhas de quando em quando, mas sem desencorajamentos. A completar o quarteto fundador, e a constituir o grupo redatorial efetivo, apareceram os jornalistas João Aguiar e Victor Dimas. Ora bem, estava a equipa formada, juntamente com o João Joaquim (mais conhecido por J.J), senhor magrinho e organizado, a quem o Foyos, muito subtilmente, foi dando uma injeção de negativos e positivos, à mistura com um bombardeamento de perguntas contabilísticas que iam deixando o J.J. cheio de cabelos brancos. Depois, houve que descobrir colaboradores. Dos fixes. Dos que também escrevem. E bem. Por último, entra-nos pela porta um tal Ferreira, sorridente e solícito, que até percebia de carpintaria e de instalações elétricas, punha as lâmpadas todas a funcionar, arranjava gravadores e máquinas de escrever, tudo isto, obviamente, para lá da estafa que era a expedição do jornal, porque, felizmente, os leitores eram muitos e exigentes. Uma equipa admirável que o Foyos já levava na "manga" quando me fez estar a mastigar em falso mais de meia hora para dar largas ao seu sonho. Afinal, ao nosso sonho. Por adversidade cruel e inesperada não me foi possível assistir, em carne e osso, ao "parto" do Foto-Jornal. O Pedro, porém, prontamente mo enviou e com sofreguidão o li e reli na cama de um hospital londrino. Pensei então: Há de ter a vida que nos for possível, a todo o custo, dar-lhe. Continuará em defesa dessa maravilhosa expressão cultural e da inigualável força de comunicação entre os homens e os povos que é a Fotografia. E continuou, não tanto por mérito nosso, mas, sobretudo, pelo apoio dos milhares de amigos que há 40 anos nos acompanharam nessa aventura inolvidável.


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